Nos últimos anos, uma tendência crescente entre as crianças da geração Alpha — nascidas entre 2010 e 2025 — tem chamado a atenção de dermatologistas, psicólogos e pais: o uso precoce de produtos de skincare e maquiagem. Um levantamento da empresa The Benchmarking Company revelou que 69% das meninas e 50% dos meninos demonstram interesse por cosméticos antes dos 10 anos de idade. O fenômeno, embora impulsionado pela indústria e pelas redes sociais, levanta sérias preocupações médicas e emocionais.
Em um mundo cada vez mais digital, as crianças estão sendo expostas a tutoriais de beleza, resenhas de produtos e influenciadores desde cedo. O mesmo estudo aponta que 84% das crianças assistem a vídeos sobre cuidados com a pele, 79% procuram resenhas e 75% pedem aos pais que comprem produtos vistos online. Muitas vezes, esses influenciadores são tão jovens quanto seus seguidores, o que aumenta ainda mais a identificação e a influência.
A dermatologista Claudia Marçal, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, alerta que muitos desses produtos são inadequados para a pele infantil. “Estamos vendo crianças e adolescentes usando cosméticos com ácidos, retinóides e antioxidantes em concentrações elevadas. Isso pode causar queimaduras, alergias, manchas e até comprometer a barreira cutânea”, explica. Ingredientes como ácido salicílico, vitamina C e ácido hialurônico, comuns em rotinas adultas, não são recomendados para menores sem acompanhamento profissional.
Além das consequências físicas, os impactos psicológicos também são motivo de preocupação. A farmacêutica Patrícia França destaca o risco de dismorfofobia — transtorno em que a pessoa desenvolve uma preocupação excessiva com a aparência. “Essas crianças passam a acreditar que têm imperfeições que não existem. Isso pode gerar ansiedade, baixa autoestima e até depressão”, afirma.
O apelo comercial também é uma parte importante da discussão. Produtos de skincare voltados ao público infantil costumam ser coloridos, lúdicos e com embalagens atrativas, o que os torna ainda mais desejáveis. “É uma jogada de marketing poderosa, mas perigosa quando ignora os limites fisiológicos da pele infantil e os aspectos emocionais em desenvolvimento”, comenta Claudia Marçal.
Diante desse cenário, especialistas recomendam medidas simples e eficazes. Para crianças menores de 12 anos, a rotina de cuidados deve se restringir ao uso de sabonete neutro e protetor solar adequado. Já na adolescência, pode-se incluir uma solução micelar ou loção de limpeza, além de hidratantes leves e não comedogênicos.
Claudia reforça que qualquer tratamento adicional, como o uso de secativos para acne, deve ser prescrito por dermatologistas. “Existem produtos com substâncias como ácido salicílico ou peróxido de benzoíla que só devem ser usados sob orientação, pois mesmo em pequenas doses podem causar efeitos indesejados em peles jovens.”
A farmacêutica Patrícia França também ressalta a importância de fórmulas seguras: “Os cosméticos devem ter baixo potencial alergênico, não conter fragrâncias fortes e evitar ingredientes comedogênicos, que obstruem os poros”.
Em última instância, a responsabilidade sobre o uso consciente desses produtos recai sobre os pais e responsáveis. O diálogo aberto sobre autoestima, aparência e influência das redes sociais deve ser incentivado. Assim como em qualquer outra decisão relacionada à saúde, o acompanhamento profissional é essencial para garantir o bem-estar físico e emocional das crianças.
A geração skincare chegou, mas o cuidado com a pele deve vir acompanhado de informação, moderação e responsabilidade. Afinal, beleza e saúde caminham juntas — mas não devem, sob hipótese alguma, substituir a infância.