Cidadania italiana para brasileiros fica mais difícil com novas regras

Foto: Bruno Todeschini/Agência RBS
Foto: Bruno Todeschini/Agência RBS

O debate sobre a concessão da cidadania italiana voltou a ganhar força em 2025, com um decreto publicado pelo governo da Itália que propõe mudanças significativas nas regras para filhos e netos de italianos nascidos no exterior. A medida, que está em discussão no Senado italiano, poderá limitar o acesso à cidadania, especialmente para brasileiros, que representam um dos maiores grupos de descendentes de italianos no mundo.

Atualmente, o direito à cidadania italiana para descendentes é garantido pelo princípio do jus sanguinis (direito de sangue), que permite o reconhecimento da nacionalidade para filhos, netos, bisnetos e até gerações seguintes de italianos, desde que comprovem sua ascendência sem limite geracional. No Brasil, muitos bisnetos e trinetos de imigrantes italianos utilizam esse direito para obter dupla cidadania, um benefício que pode facilitar estudos, trabalho e moradia na União Europeia.

Porém, o decreto italiano de março de 2025 propõe restrições importantes. Entre elas, apenas filhos e netos de italianos nascidos no exterior poderiam solicitar a cidadania, excluindo bisnetos e gerações posteriores. Além disso, o reconhecimento passaria a exigir que o ascendente direto tenha nascido na Itália ou tenha residido por pelo menos dois anos consecutivos no país antes do nascimento do descendente. Outro ponto polêmico é que o processo não poderá mais ser feito via consulados ou embaixadas, como é feito hoje, e sim exclusivamente via judicial, o que tende a aumentar a burocracia, o custo e o tempo para conseguir a cidadania.

Essas mudanças geram apreensão e controvérsia, pois impactam diretamente milhares de brasileiros descendentes de italianos. Segundo o advogado especialista em direito internacional Fábio Gioppo, que acompanha o tema, quem entrou com o pedido antes da publicação do decreto não será afetado, pois tem direito adquirido. Porém, para quem ainda não iniciou o processo, as novas regras serão válidas e dificultarão bastante o acesso à cidadania.

O Brasil, que recebeu uma forte imigração italiana entre os séculos 19 e 20, tem atualmente cerca de 20 mil pedidos aprovados de cidadania italiana por ano, número que vem crescendo rapidamente. Muitas famílias veem na dupla cidadania uma forma de ampliar oportunidades, tanto no Brasil quanto no exterior, especialmente em países da União Europeia.

No Senado italiano, tramitam emendas que buscam flexibilizar o decreto. Uma delas quer garantir que pedidos anteriores continuem válidos, reforçando o direito adquirido. Outra proposta visa retirar a exigência de que o ascendente tenha nascido na Itália, permitindo que filhos e netos de italianos nascidos no exterior continuem a solicitar a cidadania. Contudo, essa flexibilização pode impor a condição de que o ascendente direto mantenha exclusivamente a cidadania italiana, o que significa que ele precisaria renunciar a outra nacionalidade, como a brasileira, tornando o processo mais restritivo do que parece.

Especialistas jurídicos criticam o decreto por supostamente violar princípios constitucionais italianos, como a igualdade entre cidadãos e a proteção dos direitos adquiridos. Segundo eles, a proposta pode ser contestada na Suprema Corte da Itália, que já tem decisões favoráveis ao reconhecimento da cidadania sem limite de gerações.

Outro ponto importante é o mito de que alguns sobrenomes italianos facilitariam o reconhecimento da cidadania. Gioppo esclarece que isso é uma informação falsa e sem respaldo jurídico. O direito à cidadania italiana não depende do sobrenome, mas sim da comprovação da ascendência pelo princípio do jus sanguinis. Qualquer distinção por sobrenome seria ilegal e discriminatória.

O que se observa, portanto, é uma tensão entre o desejo do governo italiano de controlar o volume crescente de pedidos e a defesa dos direitos históricos de milhares de descendentes que buscam manter viva a conexão com a Itália. Para os brasileiros, o cenário atual traz incertezas e a necessidade de acompanhamento atento das discussões políticas e jurídicas em Roma.

Enquanto o projeto de lei não é votado e sancionado, quem pretende solicitar a cidadania deve buscar orientação especializada para entender seus direitos e evitar surpresas. Além disso, é fundamental acompanhar as possíveis emendas e recursos jurídicos que possam preservar o direito daqueles que hoje já têm suas expectativas fundamentadas no atual entendimento da lei italiana.

Em resumo, a cidadania italiana, tão valorizada por brasileiros, pode enfrentar mudanças importantes que restringem seu acesso e tornam o processo mais complexo. Resta aguardar o posicionamento do Senado e a repercussão dessas decisões para as futuras gerações de ítalo-brasileiros.

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